As notícias deixaram de ser novidade, pelo menos as que interessam a todo o mundo. Em vez disso, tornaram-se um assunto de especialistas. Sentado em uma mesa em Washington ou Nova York, um fulano lê os telegramas e os arranja de maneira que se adaptam ao esquema de seu modo de pensar ou da sua coluna. Hoje, muito do que lemos como notícia está bem longe de ser isso, não passando da opinião de meia dúzia de especialistas quanto ao significado daquela notícia.
O texto acima é do jornalista e escritor norte-americano John Steinbeck (1902-1968), um mestre da reportagem. Está na primeira página do estupendo livro “Um Diário Russo”, de sua autoria e do fotógrafo húngaro Robert Capa (1913-1950), uma das lentes mais sensíveis do mundo. Troque “telegramas” por “post na internet” e “Washington ou Nova York” por qualquer canto do mundo e o relato de Steinbeck de 1948 é tão atual como agora.
Cansados e incrédulos com a leitura de notícias produzidas em território norte-americano por jornalistas que nunca colocaram os pés na Rússia pós-Guerra, os dois embarcaram para Moscou para conhecer e relatar fatos do dia-a-dia do imenso país que havia despachado a Alemanha na Segunda Guerra Mundial.
“Foi então que nos ocorreu que havia outras coisas que ninguém mencionava sobre a Rússia, e era bem isso o que nos interessava. Que tipo de roupa os russos estavam usando? O que comiam no jantar? Como eram suas festas, se é que havia alguma? O que era servido nelas? Como eles moravam, e como morriam? As crianças iam à escola? Nos pareceu uma boa ideia investigar tudo isso, fotografar essas coisas e escrever sobre elas. A política russa é tão importante quanto a nossa, mas certamente havia por lá, tal como aqui, um outro mundo. Sem dúvida, o povo russo também tinha uma vida privada, da qual não sabíamos, pois ninguém se dera o trabalho de tomá-la como tema de seus relatos e fotos”, escreveu Steinbeck
Repórter e o fotógrafo embarcaram para Rússia em 1947 e um ano depois publicaram o belo livro “Um Diário Russo” – editado no Brasil pela Cosacnaify em 2003.
Sem querer ser Steinbeck e muito menos Capa, evidente, mas com alma de repórter que me acompanha há pelo menos 35 anos de carreira, estou aqui na Rússia na cobertura da minha 8.ª Copa do Mundo in loco.
Na mochila, além do laptop, celular, caderneta de notas, caneta e uma garrafinha d’água, carrego a segunda edição (de 201o) do “Um Diário Russo” , que me inspira e ensina a observar o dia-a-dia dos russos nesse mês intenso de futebol, confraternização e rusgas entre os povos.
Tomo emprestado o título do livro-bíblia de Steinbeck e Capa para relatar e fotografar o cotidiano dos russos e torcedores aqui no Chuteira FC (chuteirafc.cartacapital.com.br) e neste Blog do Prósperi. Não esperem a excelência dos dois mestres, apenas um olhar de repórter.

Primeiro relato do diário com a breve passagem por Sochi, sede de treinamentos da Seleção Brasileira:
SOCHI DAS CRIANÇAS MULTIPLICADAS (13 a 15/6)
Vladimir Putin está no poder desde 1999. Chefe da KGB, presidente, primeiro ministro, não arreda pé do governo da Rússia até hoje. Confesso meu desconhecimento de suas políticas sociais. Não sei se em algum momento de seu longo reinado teria incentivado aos jovens casais russos a multiplicar seus filhos. Como neste país tudo passa por Putin, não seria surpresa uma ordem como esta. A verdade é que nunca vi tantas crianças na minha vida como em Sochi. Meninos e meninas, não mais que cinco, seis anos, brotam de todos os lados no balneário. Você tropeça nos pequenos, meninos, todos eles, de bonezinhos; meninas, todas elas, de trancinhas e vestidos estampados. Bochechas vermelhas como cereja e olhos azuis de doer, invarivelmente.
É como um pátio de escola na hora do recreio. Carrinhos de bebês para lá e para cá nas calçadas, nos trens, nos micro-ônibus coletivos, nas escadas, nas guias. Todos têm um destino: o mar. Ao Mar Negro a banhar as encostas da cidade que foi palco, vejam só, dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014. Agora, verão à sombra 29, 30 graus. Copa do Mundo nem pensar. Sochi parece indiferente ao Mundial. Nem mesmo com o estrondo de Cristiano Ronaldo na sexta-feira (15/6) contra a Espanha e a Seleção Brasileira instalada em um resort.
Diante desse movimento contínuo da criançada para la é para cá me veio a memória a cena do obrigatório e didático filme “Encouraçado Potemkin”, de Sergei Eisenstein, com o carrinho de bebê despencando escadaria abaixo na cena de batalha dos marinheiros. Cena essa homenageada por Brian de Palma em “Os Intocáveis”.
Reminiscências apenas. Nem me preocupei em consultar as estatísticas da população infantil na Rússia, país de mais de 144 milhões de habitantes. Números atestam a realidade, mas não me animam a ser escravo deles neste momento. Criança sempre faz bem à vida de todo o mundo. Sochi deve ser feliz com essa “invasão” dos pequenos, mesmo que seja por um verão.