Luiz Antônio Prósperi, de São Petersburgo / Rússia
De Sochi a Rostov (16 a 18/6)
Sochi, Adeus. Quatro dias sob sol intenso, desviando de crianças, presença no resort da Seleção Brasileira para acompanhar uma entrevista de Gabriel Jesus e, o privilégio, desfrutar do jogo mais interessante até aqui da Copa. Portugal 3 x 3 Espanha. Noite para guardar nos arquivos mais remotos do futebol. Três vezes Cristiano Ronaldo. Iniesta, apenas para reverenciar um mito. Dia seguinte, ainda anestesiado com o jogo, era zarpar de mala e cuia. Mamayka, região do hotel em que fiquei, já estava anotada num lugar especial de minhas memórias.
Próxima parada: Rostov Don, ainda ao Sul da Rússia. Um enfrentamento de 11h02 de trem tarde afora, noite adentro, até a cidade ladeada por cinco mares: Mar Negro, Mar de Azov, Mar Cáspio, Mar Branco e Mar Báltico. Todos chegam ao Porto de Rostov. Diz a história que o porto era o principal ponto de comércio entre os russos e Oriente Médio.
Rostov, impregnada de história. Mal sabia o que me esperava.
Andar de trem na Rússia, como se dizia nos meus tempos de adolescente, é o maior barato. Barato aí nos dois sentidos. Não custa nada para jornalista credenciado pela Fifa e torcedores portadores de ingressos dos jogos. E chega a ser divertido quando não trágico.
Estou na estação de Sochi pronto para partir. Procuro no painel de chamada pelo meu trem. Uma mocinha, simpática e com cara de boneca, encarregada de informar os desavisados, me diz a plataforma de que deveria aguardar o comboio de ferro. Subi as escadas, achei a plataforma e menos de cinco minutos o trem chega. Uma correria de brasileiros e russos à chegada deste trem com destino a São Petersburgo.
Procuro pelo número do meu vagão. Era entregar o bilhete, a comissária confirmar nome no passaporte e adeus Sochi. Como havia muita gente para embarcar, a infeliz, porém cumpridora do seu dever, manda todo mundo entrar sem conferir nada. Entrei. A pressa da comissária tinha sentido. O trem não espera. Deu horário, vai embora.
Acomodado em uma cabine de quatro lugares inteira vazia só para mim, era relaxar. Da janela lateral vejo o Mar Negro com o trem serpenteando suas encostas. Um vídeo de um barquinho ao fundo, da praia pedregosa, fotos, uma conversa rápida com uma japonesa-russa. Pode isso, Arnaldo!. Pronto. Lá vem a comissária. Pede meu bilhete depois de mais de 40 minutos de viagem. Acha meio estranho, mas diz em gestos e russo, tudo bem.
Deito no leito, saco “Um Diário Russo”, Steinbeck/Capa, da mochila. Anes da leitura, repasso o futebol em revista. Será que Neymar jogaria contra Suíça pelo menos um tiquinho do arraso de Cristiano Ronaldo contra Espanha?
Trem continua sua toada firme e de muitas e longas paradas. Com duas horas de viagem, uma parada de marcar a vida. Entra uma família. Mãe, um filha moça, um filho adolescente bem redondo, mais duas meninas entre quatro e seis anos. Toda essa turma seria enfiada na minha cabine. Acabou o sossego.
Lá vem a comissária esbaforida. Alta, magra, nariz adunco, e burocrática. Em russo e gestos ele me ordenou a pegar a mochila, a mala e descer do trem. Rápido, rápido. Como assim, camarada? Desça, eu entendi.
Desci os quatro altos degraus e me deparei numa plataforma tão abandonada como um jazigo. Ao longe um quiosque de venda bugigangas, água e salgadinhos.
Comissária em gesto dizia que eu peguei o trem errado e deveria aguardar ali o trem para Rostov. Sozinho. Com gestos, ela me pediu para ouvir a chamada do trem. Garantiu que pararia ali. E acenou ao dono do quiosque lá no fim da plataforma para me ajudar.
Outra comissária, gordinha e faces rubras, no trem vizinho diz que não. Ali não passaria trem para Rostov. A outra, sim, sim, vai passar. Em gestos e em russo, entendi.
O trem delas, que seria o meu, sai de mansinho. Olhar de compaixão das duas segurando na alça das portas do trem indo embora me comoveram. Elas pareciam triste com meu abandono. Estavam no trem e eu ali plantado, bilhete na mão, como Kaspar Hauser, de Werner Herzog. As duas não acenaram.
Para complicar, uma chuva fina, mas chuva. Quando o trem sumiu na curva, olhei do outro lado e avistei a estação de Tyance. Não me pergunte onde era aquele lugar. Para chegar do outro lado teria de passar por cima de quatro trilhos. E se o trem para Rostov parasse mesmo do outro lado como a gordinha disse?
Ouço, como a comissária havia recomendado, a chamada do trem que se avizinhava. Pelo que entendi era do outro lado, como a gordinha havia falado. De repente, vem o moço dono do quiosque correndo alucinado em minha direção. Pega minha mala e, com gestos e russo, me faz sair pulando os trilhos até plataforma de embarque. Agradeço o socorro.
Trem chega e ele me leva até o vagão do número do meu bilhete. Nos aguarda um jovem comissário, rapaz de uns 20 e poucos anos. Cabeça branca, bochechas rotundas e vermelhas. Me conduz ao trem. Ufa! Agradeço ao dono do quiosque com a primeira palavra que aprendi em russo “SPASIBO”. Tradução: Obrigado. Eu: Muito Obrigado, Spasibo, Spasibo. Kaspar Hauser ia embora para Rostov.
Começava a entender que, mesmo sérios, fechados, os russos são solidários. Entendem a dificuldade da língua, da comunicação, e por isso são prestativos. Bom, pelo menos na Copa.
Trem parte. Rostov é logo ali. Quer dizer dentro de mais ou menos mais 9 horas de viagem.
Chego a minha cabine e deparo com sujeito com cara de jornalista conferindo anotações da próxima matéria. Do outro lado um torcedor brasileiro, de camisa amarela, esborrachado na cama dormindo como nunca.
O sujeito era mesmo jornalista. Italiano. E me disse que havia morado no Maranhão três meses antes da Copa em 2014. Conversamos sobre as agruras da profissão, no Brasil e na Itália. Falamos muito de futebol brasileiro e italiano. Do perfil nada a ver dos jogadores de hoje.
De repente o torcedor acorda. Vejo uma enorme fantasia verde pendurada em um cabide ao lado de sua cama na cabine. Em menos de cinco minutos de papo, ele revela que sua mulher é amiga da mulher do Luís Augusto Monaco, meu parceiro jornalista do Chuteira FC e de longos anos nas redações do JT e Estadão. Mundo pequeno. Bota pequeno nisso.
Feliz da vida, santista roxo, o torcedor estava na Rússia para se divertir com a Copa. Sua fantasia? Uma imensa matrioska verde. Enfim, a viagem seria boa.
Nove horas depois, Rostov era nossa. Nos despedimos. O jornalista italiano tomou seu rumo. A Matrioska também. E fui conhecer um pedaço do inferno a bordo de um táxi para lá de suspeito até o Hotel Parus City. Essa eu conto depois.
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