Seleção Brasileira fecha temporada 2024 como uma das piores entre as grandes campeãs mundiais. Patina nas Eliminatórias da Copa de 2026. Vive uma crise de identidade e não se acerta com um treinador desde a saída de Tite, em dezembro de 2022. Lembra, em alguns aspectos, a Seleção de 1954 na Copa do Mundo da Suíça. Acompanhe relato do escritor Jon Cotterill ao jornal The Guardian, de Londres, a respeito dos percalços da Seleção Brasileira na Suíça há 70 anos:
Por Jon Cotterill , do The Guardian, 31 dezembro (10h45)
Seleção Brasileira tinha grandes expectativas antes de viajar para a Suíça na Copa do Mundo de 1954, mas as quartas de final da ‘Batalha de Berna’ terminaram em confusão.
A consequência da derrota para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950 ofuscou a preparação do Brasil para a Suíça. Parte da imprensa brasileira rotulou a seleção nacional de “engarrafadores” e o que muitos viam como sua incapacidade de atuar em jogos decisivos havia se tornado uma preocupação.
A pressão diminuiu um pouco depois que a Seleção saiu invicta em seu caminho para conquistar o Campeonato Pan-Americano em 1952 – a primeira vitória do Brasil em solo estrangeiro. Mas perder a partida decisiva para o Paraguai no Sul-Americano no ano seguinte levantou mais questões sobre o temperamento do time.
Alfredo Moreira Júnior substituiu Flávio Costa como técnico. Zezé Moreira, como era conhecido, fez menos de 50 aparições como meio-campista no Flamengo, Palestra Itália (hoje Palmeiras) e Botafogo, mas viria a registrar impressionantes 474 jogos como técnico do Fluminense ao longo de vários períodos, da década de 1950 ao início dos anos 70 – um recorde que permanece até hoje.
Zezé era famoso por ser um dos primeiros estrategistas do país e tentou trazer algum equilíbrio ao time brasileiro que havia marcado impressionantes 22 gols na Copa do Mundo de 1950, mas era suspeito na defesa. O técnico brincou com a marcação zonal, o que deixou a defesa do Brasil um pouco mais fechada, mas reduziu seu poder de fogo.
O time de Zezé venceu seis jogos seguidos na preparação para a Copa do Mundo de 1954. No entanto, a Seleção estava errada se pensava que os ânimos tinham esfriado quatro anos após a derrota para o Uruguai.
David Nasser, um conhecido colunista de um dos jornais mais populares do país, O Cruzeiro, desabafou a frustração que muitos sentiam.
“Muita imprensa nas Américas declarou que a cachaça (uma bebida destilada feita de caldo de cana fermentado) havia derrotado o Brasil e que éramos um povo mal alimentado, que comia arroz, feijão e farinha (farinha de mandioca amarela) e nossos atletas mal conseguiam ficar de pé. Foi dito que o Brasil caiu vergonhosamente para um grupo de velhos uruguaios com varizes e erisipela (que destruíram) os meninos brasileiros. Chegou a hora de responder a essas pessoas. Para mostrar a esses senhores que não somos o povo quebrado, medroso e sifilítico que eles dizem.”
A mensagem para a Seleção Brasileira não foi tão sucinta quanto “a Inglaterra espera”, mas o sentimento foi igualmente claro.

O contingente brasileiro voou para a Suíça para o que seria um torneio inovador. A Copa do Mundo de 1954 foi a primeira a ser exibida na televisão e a primeira vez que os jogadores receberam números de elenco fixos. Continua sendo o torneio com maior pontuação, com 140 gols – uma média de 5,38 gols por partida – e Áustria 7-5 Suíça em Lausanne ainda é o jogo com mais gols na história da competição.
Esta também foi a primeira vez que o Brasil usou camisas amarelas com detalhes verdes em uma Copa do Mundo. A camisa de cores brilhantes foi bem recebida. O apresentador de rádio e comentarista de futebol, Geraldo José de Almeida, estava lá na Suíça e é creditado por apelidar o time de Seleção Canarinho – o Pequeno Canário.
O Brasil não poderia ter começado melhor quando derrotou o México por 5 a 0 em Genebra. Eles então empataram por 1 a 1 com a Iugoslávia após a prorrogação. A Seleção atacou durante todo o jogo, convencida de que precisava vencer e sem saber que um empate classificaria os dois times.
De acordo com alguns relatos, o capitão do Brasil, José Bauer, caiu no chão do vestiário, lamentando: “Perdemos a Copa do Mundo de novo”. Muitos outros jogadores estavam em lágrimas e só descobriram que estavam nas quartas de final no ônibus de volta para o hotel.

O próximo foi um jogo contra um time da Hungria no auge. Os poderosos magiares estavam invictos em 29 partidas ao longo de quatro anos. A ausência de Ferenc Puskás não fez diferença e os húngaros estavam com dois a mais em menos de 10 minutos. Djalma Santos e Julinho marcaram, mas o Brasil caiu por 4 a 2 no que ficou conhecido como “a Batalha de Berna”. Jozsef Bozsik, da Hungria, e Nílton Santos e Humberto, do Brasil, foram expulsos após uma performance desregrada e uma briga em massa envolvendo 20 jogadores.
O tumulto não incluiu apenas os dois times, mas também membros da mídia e delegações dos dois países e se espalhou para os vestiários, resultando em ferimentos em jogadores, policiais e autoridades.
Com a Europa agora nas garras da Guerra Fria, houve até acusações de que o oficial inglês Arthur Ellis – que havia sido árbitro assistente no jogo Brasil x Uruguai em 1950 – fazia parte de uma conspiração comunista contra os sul-americanos.
“Achei que seria o melhor jogo que eu já veria. Eu estava no topo do mundo. Foi uma antecipação totalmente ilusória”, Ellis contaria ao The Independent décadas depois. “Se política e religião tiveram algo a ver com isso, eu não sei, mas eles se comportaram como animais. Foi uma vergonha.” A Seleção Brasileira foi mandada embora da Copa e a Hungria perderia a final por 3 a 2 contra a Alemanha Ocidental.

De volta ao país, a imprensa brasileira estava em polvorosa. No início, eles alegaram que a Seleção tinha sido o melhor time, mas que tinha sido enganada mais uma vez por algumas decisões discutíveis de um árbitro europeu.
Mais tarde, surgiram histórias sobre o lado e o tom mudou. Alguns relatos sugeriram que o time tinha sido totalmente esvaziado quando o sorteio os lançou contra a Hungria nas quartas de final. Houve rumores de que alguns jogadores tinham saído para a cidade na noite anterior à partida e que outros tinham fingido lesões ou fingido estar doentes para sair do jogo. Também foi alegado que o chefe da delegação, João Lyra Filho, já tinha comprado ingressos para casa antes do jogo.
Anos depois da competição na Suíça, o homem que havia criado o uniforme amarelo do Brasil relembrou sua época de encontro com a Seleção. Aldyr Schlee era um adolescente que estudava direito, mas sonhava em ser designer. Parte do prêmio que recebeu do jornal Correio da Manhã e da Confederação Brasileira de Desportos (CBD, hoje CBF) foi uma visita para conhecer a Seleção Brasileira durante as eliminatórias da Copa do Mundo.
Mas o jovem ficou chocado com o que viu e até recusou uma viagem para a Suíça, como contou ao site Terra em 2010:
“Eu tinha apenas 19 anos e fiquei muito intimidado com tudo isso. Muitas coisas aconteceram. Algumas pessoas fugiram do acampamento (concentração da Seleção), ficaram bêbadas, quebraram o nariz e depois disseram à imprensa que não podiam jogar porque tinham caído no banheiro. Foi chocante. Uma verdadeira confusão.”
Após o jogo contra o Uruguai em 1950, o renomado escritor e jornalista Mário Filho reconheceu um aumento do racismo após a derrota. Escrevendo na Folha de São Paulo em 2018, Alberto Nogueira e Jair dos Santos Cortecertu também alegaram que o chefe da delegação do Brasil na Suíça, João Lyra Filho, havia defendido o branqueamento da população na década de 1920.
Lyra Filho era bem relacionado e talentoso. Em uma carreira abrangente, ele foi advogado, presidente do Botafogo, o primeiro presidente do Conselho Nacional de Esportes e um apoiador da candidatura de João Havelange à presidência da Fifa. Lyra Filho também escreveu um relatório após a campanha na Suíça, listando suas razões para o fracasso.
O relatório foi a base para seu livro Copa do Mundo de 1954. Filho apontou o que viu como as características de negros e mestiços como a causa da saída do time:
No futebol brasileiro, o jogo de pés vistoso é uma expressão de arte, mas vem em detrimento do desempenho e dos resultados. Seria fácil comparar a aparência de um time brasileiro formado por um número crescente de negros e mulatos com o do futebol argentino, alemão, húngaro ou inglês.”
Lyra Filho acrescentou: “Os brasileiros tinham muito orgulho e um bom físico, mas improvisavam demais e eram espontâneos. Por outro lado, os europeus tinham autocontrole e uma alta cultura.”
Quatro anos depois, um prodígio negro de 17 anos e um mágico mestiço ajudariam o Brasil a levantar sua primeira Copa do Mundo.
“O Brasil na Copa do Mundo” de Jon Cotterill já está disponível para compra.





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