México, Estados Unidos e Canadá lançam candidatura à sede da Copa 2026. E Trump?

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A nova Copa do Mundo com 48 seleções, formatada pelo presidente da Fifa Gianni Infantino, vai ganhar vida em 2026. Ao acrescentar mais 16 países aos 32 participantes do Mundial, a Fifa precisava de atrair candidatos de peso para sediar o evento. Coincidência ou não, uma candidatura tripla ganhou força nesta semana. México, Estados Unidos e Canadá estariam dispostos a bancar a empreitada proposta por Infantino. Três países dividindo a sede do maior evento esportivo do mundo. Nada muito diferente do que já vimos em outras disputas para abrigar uma Copa, quando interesses políticos e financeiros se completam.

“É um sinal muito forte do que o futebol pode fazer para reunir países”, disse o canadense Victor Montagliani, presidente da Concacaf (confederação de futebol que abriga as Américas do Norte e Central e Caribe), principal mentor da candidatura tripla. Em entrevista ao The Guardian, de Londres, o dirigente adiantou que até o fim deste ano de 2017, os três países vão finalizar a proposta e encaminhar à Fifa. “O Canadá, os EUA e o México estão buscando uma proposta conjunta, a idéia tem sido bem recebida, as discussões continuam e é uma proposta muito emocionante se se concretizar”, disse Montagliani.

O dirigente canadense tem a convicção que diferenças políticas entre mexicanos, norte-americanos e canadenses serão resolvidas. Até mesmo a insistente proposta de Donald Trump, de construir um muro na fronteira dos Estados Unidos com o México, não preocupa Montagliani. “Quando fui eleito presidente da Concacaf em maio de 2016 disse que o futebol tem de superar todos os regimes políticos. Cabe ao futebol e aos líderes do futebol lidar com isso e superá-lo”.

Não parece um processo tão fácil, como insinua Montagliani. As recentes decisões de Trump, vetando a entrada de cidadãos “inimigos dos EUA” em território norte-americano, contrariam as determinações da Fifa e podem se tornar um obstáculo à candidatura-conjunta ao Mundial de 2026.

No calor e no dinheiro

Bom lembrar que o processo de seleção de candidatos à Copa começa em junho agora e se estende até dezembro de 2018. De janeiro de 2019 a fevereiro de 2020, será feita a avaliação de todas as candidaturas. A decisão de quem vai sediar a Copa do Mundo de 2026 será anunciada no congresso da Fifa em maio de 2020. Portanto, ainda no período do governo Trump, eleito presidente dos EUA para um mandato até dezembro de 2020.

Mesmo com essas questões políticas na mesa da Fifa, a candidatura-conjunta de México, Canadá e Estados Unidos não teria rivais. Já é apontada como favorita entre os cartolas.

O problema é que a escolha da sede de uma Copa nem sempre obedece à melhor proposta. No reinado de Joseph Blatter, de 1998 a 2015, política e economia, sempre embaladas por corrupção, dominaram as eleições.

Para não recuar muito no tempo, João Havelange, antecessor de Blatter na presidência da Fifa, fez de tudo para levar a Copa aos Estados Unidos em 1994. Os americanos abraçaram de pronto, na tentativa de espalhar entre eles a paixão pelo futebol e, passo seguinte, transformá-lo em uma cascata de dinheiro.

Primeira vez na Ásia

Quando a taça dourada foi disputada na sede dupla, dividida entre Coreia do Sul e Japão em 2002, a Fifa pensou na expansão do seu domínio e os dois países em consolidar suas economias. Pela primeira vez a Ásia abrigava o Mundial. Interesses conciliados e lucros.

Quatro anos depois foi a vez de a Alemanha organizar o evento e mandar um recado ao mundo de que o histórico de segregação estava superado. Os alemães celebravam 17 anos da queda do Muro de Berlim e precisavam urgente contar que o país havia superado as rupturas históricas com outros povos e curado as feridas da Segunda Guerra. A imagem era de uma Nova Alemanha. Fizeram da Copa de 2006 o Mundial da conciliação internacional.

Em 2010, o Mundial de futebol chegou ao continente africano. Mais uma vez, política e grana no mesmo caldeirão. A Fifa queria retribuir aos países da África os votos dados a Havelange na campanha de 1974 e a Blatter, em 1998. Nada mais sintomático do que eleger a África do Sul para sede do evento. Havia um desejo dos sul-africanos em mostrar o mundo que o Apartheid estava vencido, celebrar Nelson Mandela enquanto estivesse vivo e o continente a ampliar seus negócios internacionais.

O desembarque da taça de ouro no Brasil em 214 também obedeceu ao mesmo ritual. Único país pentacampeão do mundo na bola e com histórico de ter sido sede da Copa no longínquo 1950, a Fifa virou o país do avesso para atender a seus interesses e de uma casta de políticos e empreiteiros. O Brasil vivia um momento extraordinário na sua economia e autoestima.

Somos irmãos, Alemanha

Dos trópicos, a Copa volta ao continente europeu e cai no colo da Rússia em 2018. Obedece a manobras do presidente Vladmir Putin. Enroscados com sua bélica política externa e ainda com problemas internos graves, os russos esperam mostrar que o país é outro após algumas décadas do colapso do comunismo e da reestruturação do país sob a mão forte de Putin. A Copa, mais do que da Rússia, vai ser a Copa de Putin. E até por isso, pode dar muita dor de cabeça ao establishment da Fifa e de seus parceiros econômicos.

E, por fim, vamos ao Catar em 2022, uma forma de a Fifa recompensar os investimentos dessa parte do continente asiático no futebol. Uma aventura sem precedentes, em se tratando do jogo jogado no campo, graças há uma fabulosa corrupção na hora de escolher o país como sede, se levarmos em conta as questões climáticas da região e às restritivas políticas de consumo interno.

De volta à candidatura-conjunta da Copa de 2026, cabe um alerta. A China, na alucinada corrida para se tornar uma potência do futebol, também pode pedir passagem para abrigar o Mundial. Pelo regulamento interno da Fifa, não poderia se candidatar por causa do rodízio de continentes. Como o Catar é a sede de 2022, outro país asiático não poderia reivindicar a candidatura de 2026. Por direito, a Copa tem de voltar às Américas depois de passar por aqui em 2014.

Na terra de Putin

Daí o otimismo de Victor Montagliani. Aliado de Gianni Infantino e primeiro presidente não caribenho a se eleger na Concacaf desde 1969, o cartola canadense parece ter consciência da sua tarefa. Montagliani pegou a Concacaf destroçada pela corrupção e com ex-mandatários cumprindo pena na cadeia.

“Eu não podia imaginar uma crise como esta ocorrendo em uma empresa e a empresa sobrevivendo. Mas você nunca deve desperdiçar uma boa crise. O futebol sobreviveu por causa de fãs e jogadores, e agora temos a oportunidade de restaurar nossa imagem e trazer o jogo de volta para eles”, disse Montagliani.

Bendita Copa do Mundo, bendito futebol.

(texto publicado no CHUTEIRA FC)