Um Diário Russo (4): De patinete em Moscou até as lágrimas de Neymar

 

Chuteira FC na Copa do Mundo 2018Luiz Antonio Prósperi, de Moscou / Rússia

São Petersburgo e Moscou (de 19 a 23/6)

Rostov-on-Don agora não passava de fotos na galeria do meu celular, alguns perrengues nos táxis da vida e a estreia doída do Brasil contra Suíça. A cidade castigada pela história não seria mais revisitada, pelo menos nessa Copa. Meu destino: Moscou. Uma longa viagem de 25h de trem me aguardava. Embarquei como uma criança se sente feliz na primeira aventura para conhecer o mar. Evidente que não encontraria o mar na capital russa. A sensação era a de um moleque alegre e curioso por uma nova travessura. Não estava nem um pouco preocupado em passar um dia no trem. Teria tempo para ler mais de “Um Diário Russo”, de Steinbeck/Capa, descansar a carcaça e imaginar o que viria pela frente. Cabe aí também um tempo para refletir na bendita Seleção do Tite e o futuro na Copa.

Na cabine de quatro lugares (dois beliches estreitos), apenas um companheiro de viagem. Era um jovem russo, 24 anos. Não especulei sobre sua vida. Apenas perguntas básicas. Era estudante, dominava bem o inglês e filho de classe média um tanto abastada. Vivia em Moscou e trazia na mochila alguns pares de ingressos dos jogos da Copa. Tinha ido a dois, Brasil x Suíça, inclusive, e acompanharia mais três, no mínimo, andando de trem Rússia afora. Vestia uma camisa da Seleção da Inglaterra. Me disse que não era torcedor dos ingleses. Carregava uma da Espanha, que tratou de vestir tão logo desembarcamos em Moscou. Era mais um apaixonado por futebol desfrutando no seu país do jogo da bola. Futebol é assim.

As 25h passaram bem rápidas. Estive no vagão-restaurante, durante a madrugada, e encontrei um punhado de brasileiros com animação danada movida à cerveja. Não eram do tipo desprezível daqueles do “B.. rosa”. Cantavam, se divertiam e na hora do samba, caprichavam: “Ô, abre a cortina do passado; Tira a mãe preta do cerrado; Bota o rei congo no congado. Brasil!… Brasil!…”. Gostei.

Minha primeira missão em Moscou, depois de alojado em um loft modesto e honesto, era catar histórias e imagens. Andaria um pouco pela região para demarcar território e conhecer um pouco do dia a dia dos russos na capital, sem defender ou procurar por teses. O segundo jogo do Brasil seria em São Petersburgo, dia 22. Daria tempo para a peregrinação.

A ideia era fotografar pessoas, lugares e decifrar alguns mistérios. Foi então que me rendi. Para questionar alguém nas ruas eu precisava de um tradutor. Relutei em usar a engenhoca do celular. Não teve jeito. Nas dificuldades, sacava o aparelho, procurava o Google tradutor, e pronto. Tocava a tecla, falava em português e o danado respondia em russo ao meu interlocutor. Ele respondia em russo e eu ouvia em português. Eu saiba dessa facilidade desde o início, mas não queria desfrutar da tecnologia no começo da travessia pela Rússia. Mandei às favas. Santo Google Tradutor.

Iniciei minha caminhada pela Avenida Thverskaya, calçadas opulentas, lojas de grifes, alguns museus. Carros em altíssima velocidade. Na minha cabeça ainda soavam as críticas daquele taxista suspeito em Rostov. Dizia ele que milhares de pessoas dormiam nas ruas russas. Pensei nisso a cada quadra vencida. Confesso, quase não vi pessoas abandonadas naquela região. Putin mandou as recolher? Fotografei algumas.

No ir e vir naquela longa avenida, percebi também que jovens e nem tão jovens assim se locomoviam de patinetes, da simples, a dar galeio com os pés, às motorizadas. Um veículo interessante, pré-histórico, não poluente, fácil de manobrar e, detalhe, não ocupa espaços nos metrôs. Ideal para uma cidade plana como Moscou. Eles não são muitos, mas deslizam pelas calçadas lisas como pistas de patinação, sem obstáculos e não importunam ninguém com buzinas e gritos histéricos diante dos transeuntes.

Lembra daquele enxame de motos de São Paulo transportando de tudo? Aqui muitos entregam mercadorias, pizzas, fast-food a bordo das patinetes.

Algumas fachadas me chamavam atenção. Em uma delas, de grande porte, cravada num edifício de escritórios, notei símbolos do comunismo e a figura de Lenin. Saquei o celular, perguntei a um transeunte o que significava a fachada. “É o jornal Izvestia”. A sede. Me deu vontade de visitar a redação de um jornal importante no período do comunismo. Não entrei no prédio e percebi que ao lado da fachada do Izvestia de tantas jornadas estava uma solene propaganda da Coca-Cola, símbolo eterno do capitalismo.

Nas ruas, pouca gente te incomoda, pelo menos na região da Thverskaya, tentando vender algo, ou pedindo um trocado ou oferecendo serviços. Uma moça, com traços nada russos, me abordou duas vezes em dois dias consecutivos para me entregar um folheto. Na segunda tentativa peguei o papel por educação e curiosidade. Olha a foto do folheto que a moca em entregou:

Fechei a jornada em Moscou e no dia seguinte tomaria rumo a São Petersburgo para acompanhar o segundo jogo do Brasil na Copa. Adversário fraco, a Costa Rica. Embarquei no quarto trem da minha travessia russa. Sairia de madrugada, amanheceria em São Petersburgo, faria a cobertura do jogo e embarcaria de madrugada de volta para Moscou.

A viagem de ida, perfeita. Na cabine, um repórter da Folha e um torcedor marroquino. A volta, seria tranquila com a vitória do Brasil por 2 a 0. Ufa!. Foram 11h para ir, mais 11h20 para voltar. Cabine lotada. Um russo, dois egípcios. Um deles cantava, “Salah-Firmino” em reverência à dupla do Liverpool até então a serviço do Brasil e Egito na Copa. Claro que o trem estava entupido de brasileiros, roucos e, muitos deles, bêbados.

Minha volta não foi tão tranquila assim. Não deu tempo de desfrutar de São Petersburgo e ainda estava encafifado: Por que Neymar havia chorado daquele jeito depois do jogo?

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