Lionel Messi vence Mpabbé e Benzema e sai da noite de Paris eleito o melhor jogador do mundo pela sétima vez no prêmio The Best Fifa. Nenhum craque tem essa honraria. Domínio absoluto com os troféus conquistados em 2009, 2010, 2011, 2012, 2015, 2019 e 2022.
Quem é Lionel Messi?
Entenda um pouco do fenômeno nos estudos científicos analisados no artigo do jornalista José Eduardo Carvalho, publicado em março de 2018 no site Chuteira FC. Naquele ano Messi havia sido eleito The Best cinco vezes. Acompanhe:
Para Ser Messi
No início de março, quando completou 600 gols, somando Barcelona e Seleção Argentina, Leo Messi obrigou os especialistas e numerólogos a dar um upgrade radical em suas estatísticas. Que Messi desestruturou vários dos conceitos elaborados durante décadas pela comunidade do futebol não é novidade. E a mais escandalosa releitura desses conceitos diz respeito à relação idade-rendimento para um jogador de alta performance.
Aos 22, ele já derrubava o mito de que o auge físico e técnico de um futebolista profissional chega entre os 27 e 28 anos, um dogma da segunda metade do século passado, que se tornou uma espécie mantra entre os analistas de performance. Quando chegou aos 27/28, Messi já tinha sacudido vários dos eixos analíticos que buscam explicar fenômenos dentro de uma linha científica. Tornou-se objeto de estudo nas áreas de psicologia, tecnologia e biomecânica, neurocientistas saíram em busca de explicações lógicas, grupos de estudo de rendimento esquentavam a cabeça atrás de um sentido comum para o que viam em campo domingo após domingo. Agora, aos 30, Messi não só joga como aos 22 ou aos 27 como faz algumas coisas ainda mais impressionantes, porque acrescenta novas virtudes a seus talentos inatos. É para deprimir qualquer cientista.
Num desses estudos, realizado em uma transoceânica cooperação entre a Faculdade de Tecnologia de Teerã e a Universidade de Stirling, na Escócia, e publicado há pouco mais de um ano no The Journal of Biological and Medical Rhythm Research sob o título “O cérebro de Lionel Messi tem o poder de retardar o tempo?”, concluiu-se o que parece óbvio: que Messi tem o dom de antecipar atitudes e movimentos, o que, por si só, derruba qualquer adversário. Leslie Smith, titular de Inteligência Artificial em Stirling, tem bem claro que o dom de antecipar ações manejando os tempos de reação é meio caminho para explicar como Messi pode ser uma exceção entre os humanos:
“Ele tem extremamente bem desenvolvidas as capacidades para se adiantar aos oponentes, sabe antes para onde vai a bola, em que zona do campo haverá mais espaço e o que vai acontecer nos segundos seguintes. Isso faz com que os rivais tenham a sensação de que, para Messi, o tempo passa mais devagar. É aí que são surpreendidos”, dizia o professor ao apresentar o estudo.
Superneurônios
A comunicação veloz entre os neurônios, capacidade que é lugar-comum nos estudos sobre o argentino, permite o desenvolvimento de outra virtude que vai além da destreza e da resposta física tão próprias de Messi: a intuição. Em sua trajetória de quase 700 partidas como profissional, Messi acumulou tanta experiência e foi moldando seu cérebro de tal forma que algumas virtudes que podem parecer excepcionais para jogadores comuns tornaram-se corriqueiras em seu desempenho. Ações de êxito, inesperadas para a maioria, entram em uma rotina de jogo para ele, são tão automatizadas que abrem uma grande frente para a intuição, talvez a mais letal de suas armas destruidoras.
Outro estudo, de 2016, realizado em três frentes pelo Instituto Nacional de Educação Física da Catalunha (da Universidade de Lleida), pela Universidade de Barcelona e pela Universidade do Porto, aborda especificamente as automações no padrão Messi, durante os primeiros dez anos de sua carreira. A professora Marta Castañer, coordenadora da análise que recebeu como título “Marcar gols no futebol: análise de coordenadas polares e habilidades motoras usadas por Lionel Messi”, resume:
“Automatizar respostas é básico, nos permite ser mais autônomos. Os profissionais de esportes têm que realizar combinações de habilidades motrizes altamente especializadas. A diferença está em que muitos as estereotipam e são pouco capazes de readaptá-las a situações novas.” Messi tem justamente a facilidade para adaptar e modificar rapidamente os movimentos, conforme surgem as novas situações.
O estudo da professora Castañer e de seus colegas de Barcelona e do Porto, publicado por Frontiers in Psychology, conclui com o aval da ciência o que sabemos todos – que Messi é único em sua espécie. O texto reproduz passagens que se repetem sistematicamente: “Quando Messi recebe a bola e vê um espaço aberto vários metros à frente, usa pequenos toques fora do alcance dos defensores para trabalhar rapidamente na execução de seu objetivo. Para fazer isso, também varia ligeiramente o ângulo de seu corpo, demonstrando peculiar domínio em um sprint em ziguezague”. Na análise das chamadas coordenadas polares, os cientistas concluíram que Messi muda de direção e ritmo com frequência muito maior que o resto dos jogadores, seja com giros rápidos em ângulos suaves, seja com mudanças radicais entre 180 e 240 graus. Ou seja, para parar Messi, seus adversários precisariam de uma pós-graduação em gerenciamento de práticas em atividades motoras.
Manutenção e aprendizado
A condição de prodígio não tirou Messi da realidade, algo que não consta dos estudos e investigações por se tratar de uma virtude impalpável. O argentino não desperdiça energia expondo-se à toa, não procura se valorizar frequentando o jet-set ou anunciando a compra de um helicóptero. Não é politizado, mas também não sai por aí falando bobagens sobre o que não conhece. Para o argentino é suficiente uma vida confortável e discreta, que nada tem a ver com o monstro depredador dos gramados. Sua postura pessoal é voltada para canalizar energias ao que melhor sabe fazer – e já basta para ser um grande da história.
Numa entrevista recente ao jornal El Pais, o psicólogo espanhol Miguel Angel Fuentes, especialista em superdotação e altas capacidades, ressalta que os talentos que nasceram com Messi não seriam os mesmos sem uma contínua proposta de manutenção e aprendizado que tem relação direta com a postura pessoal do craque. “O motivo pelo qual algumas pessoas se destacam de forma excepcional em um esporte deve-se tanto a uma predisposição genética como a uma adequada estimulação do entorno. Se alguém tem certas habilidades naturais para se destacar, o uso repetido e prolongado desses recursos específicos é o que vai permitir a manifestação do talento excepcional.”
Ou seja, não seria suficiente possuir aptidões naturais sem desenvolvimento e manutenção com aprendizagem sistemática, treinamento e prática, porque, segundo o especialista, “as habilidades naturais são apenas um projeto de futuro” se o sujeito premiado com elas não se dedica a se aperfeiçoar, deixando de lado coisas menos importantes. A má notícia para os adversários é que Lionel Messi continua aprendendo.
