A CBF é a maior beneficiada com a reviravolta da Seleção Brasileira, a primeira se classificar no campo ao Mundial da Rússia 2018. Sem mover uma palha, apenas com a troca de Dunga por Tite, a entidade conseguiu amenizar a pressão em cima do presidente Marco Polo Del Nero, renovou contratos de patrocínios, deu um golpe nos clubes e se cacifou para vender amistosos da Seleção por uma fortuna. A Globo, antes crítica da Del Nero diante dos resultados ruins da Seleção, também se acalmou e surfa nos altos índices de audiência nos jogos do Brasil.
Do ponto de vista político e de gestão, Del Nero não imaginava que a simples chegada de Tite poderia ser a sua salvação. Nos tempos de Dunga, sempre era questionado nas coletivas a respeito das investigações da Justiça dos Estados Unidos e os motivos de não viajar para fora do País nos jogos e competições da Seleção Brasileira com medo de ser preso. No Congresso Nacional, era alvo de uma CPI capitaneada pelo senador Romário (PSB-RJ). A CBF vivia sob nuvens densas e escuras.
As nuvens ameaçadoras começaram a se dissipar a partir de agosto de 2016 quando a Seleção Olímpica, supervisionada por Tite, conquistou a inédita medalha de ouro no Jogos do Rio. E minguam cada vez mais no céu da CBF a cada resultado expressivo do selecionado de Tite. Del Nero se fortaleceu a ponto de se livrar da CPI e, por tabela, de Romário, com ajuda do senador Romero Jucá (PMDB-PE), aliado de primeira hora do presidente da CBF.
Livre de Dunga e de Romário, o dirigente correu atrás do tempo perdido. A missão agora era não interferir no trabalho de Tite e resgatar o prestígio com os grandes patrocinadores da CBF. A primeira grande conquista neste sentido se deu com a renovação do contrato com a companhia aérea GOL por mais quatro anos – até 2021 –, parceira da entidade desde 2013. Valores do novo acordo não foram revelados.
O anúncio da renovação do contrato foi um show de marketing. Tite teve de divulgar a convocação dos 23 jogadores para as partidas contra Uruguai e Paraguai em uma coletiva de imprensa no hangar da GOL, no Aeroporto de Congonhas em São Paulo, diante de cerca de 200 jornalistas, entre brasileiros e estrangeiros, e perto de 400 convidados.
Na cerimônia, Del Nero, dirigentes da CBF, Tite, membros da comissão técnica e diretores da companhia aérea desceram as escadas do Boeing 737-800 Next Generation, avião oficial da Seleção pintado com as cores do Brasil e com o slogan “Voa Canarinho”. Equipado com wi-fi e sistema de entretenimento a bordo, a aeronave tem capacidade para 177 passageiros.
Poucos dias depois dessa apresentação, mais precisamente na tarde do jogo entre Uruguai e Brasil, dia 23/3, em Montevidéu, Del Nero arrebanhou os presidentes das 27 federações estaduais na sede da CBF e liderou um golpe contra os clubes aprovando a mudança dos estatutos da entidade. Antes mesmo de o time de Tite destruir os uruguaios com a vitória por 4 a 1, a manobra nos bastidores estava consumada.
Para não perder o controle do futebol, numa eventual rebelião dos clubes, Del Nero e seus pares concederam às federações mais poder de voto na eleição do presidente da CBF do que aos clubes. Juntas, as federações teriam 27 votos, com a mudança passaram a ter peso três. Assim os 27 votos valem agora 81 votos. Os 20 clubes da Séries A ganharam peso 2 – portanto, 40 votos. E os 20 da Série B, peso 1. Dessa forma os clubes não teriam mais que 60 votos contra os 81 das federações.
Bom lembrar que Del Nero tem direito à reeleição em 2023 por mais quatro anos – até 2027, quando completaria dez anos de mandato no comando da CBF. Como ele controla as 27 federações e são elas que têm poder para eleger o presidente, Del Nero não sai do poder tão cedo a não ser que os clubes provoquem uma rebelião. Aliás, acovardados até este momento, dificilmente vão contestar o dirigente.
Quem não engoliu esse golpe foi deputado Otavio Leite, que entrou nesta sexta-feira (31/3) com uma representação no Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF-RJ) contra a CBF. Ele alega que os clubes não foram convocados para participar da assembleia administrativa da CBF, do último 23 de março, que aprovou a mudança dos estatutos. O deputado diz que, por lei, os clubes deveriam ter participado da assembleia.
TV GLOBO APLAUDE
Enquanto Del Nero e seus pares estendem suas teias e se livram dos incômodos, a TV Globo surfa com os jogos da Seleção de Tite. A emissora bateu recorde de audiência com a transmissão vitória do Brasil por 3 a 0 contra o Paraguai, terça-feira no Itaquerão.
O jogo rendeu à emissora 38 pontos de média e 55% de share em São Paulo – crescimento de 11 pontos (41%), comparando com a média da faixa nas quatro terças-feiras anteriores. O número de TVs ligadas cresceu 6 pontos (10%).
Segundo dados oficiais da Globo, foi a maior audiência em jogos da Seleção na capital paulista desde 12 de junho de 2014, quando havia registrado 38 pontos de média e 67% de participação com Brasil x Croácia (estreia do Brasil na Copa de 2014). Fora a Copa do Mundo, desde a final da Copa Libertadores de 2012 entre Corinthians e Boca Juniors, quando marcou 48 pontos de audiência e 75% de participação, a Globo não era agraciada com tamanha audiência.
No Rio, o jogo Brasil x Paraguai registrou 39 pontos de média e 57% de participação – crescimento de 10 pontos (34%). O número de TVs ligadas cresceu 9 pontos (15%).
Debruçada nesses números fabulosos e feliz da vida com Tite, a Globo parou de criticar Marco Polo Del Nero, alvo de editoriais do Jornal Nacional quando Dunga comandava a Seleção e Del Nero vivia sob a espada da Justiça Americana. A audiência do futebol brasileiro e dos jogos da Seleção despencavam. Sem falar do prejuízo de ter comprado os direitos da Copa das Confederações, em junho agora, na Rússia, que não terá a participação do Brasil. O time então dirigido por Dunga não se classificou para esta competição, uma prévia da Copa do Mundo de 2018.
A emissora está de olho na renovação do contrato de transmissão dos jogos amistosos da Seleção. O contrato venceu em dezembro de 2016 e a CBF, interessada em faturar mais de R$ 6 milhões por amistoso, não quer dar exclusividade à Globo. Avalia se não é mais vantajoso negociar com um pool de emissoras ou fazer as transmissões via Facebook e YouTube.
Como se sabe, a Globo não admite perder o controle das transmissões do futebol brasileiro, em especial da Seleção. Ela tem os direitos exclusivos das Eliminatórias e da Copa de 2018 na Rússia e acordo fechado com a Fifa para a Copa de 2022 no Catar.
Se sentir prejudicada na hora de fechar os contratos, a Globo, provavelmente, vai voltar a pancadaria para cima de Del Nero, sempre com muito cuidado para não respingar em Tite, até aqui o salvador da CBF e, claro, dos índices da emissora líder de audiência do Brasil. Como na paródia abaixo, Del Nero e Globo bem que poderiam cantar por aí “Tite, Eu Te Amo”.