Luiz Antônio Prósperi – 28 novembro (13h25) –

“Se continuarem mentindo, eu vou dar nomes aos bois, vou chamar de mentiroso, covardes. Vocês também têm familia, andam por aí e o torcedor conhece. Alguns de vocês vão começar a passar dificuldade também. Não tenho medo de ninguém da imprensa. Respeito e sou profissional, se forem profissional comigo. Se continuar inventando notícia, não vou mais dar entrevista”.

A declaração acima é de Renato Gaúcho, após empate (1 a 1) entre Cruzeiro e Grêmio quarta-feira (27/11) ao ser questionado a respeito de seu futuro no clube gaúcho.

Trata-se de uma ameaça clara à mídia em geral, jogando jornalistas e influencers aos leões na arena. Que os ditos profissionais de imprensa se virem com os mais fanáticos, trogloditas, torcedores dispostos a tirar sangue de quem é “contra” seu time.

Deixando de lado a gravidade das ameaças de Renato, o que se tem é um aumento expressivo da alta voltagem entre técnicos de futebol e imprensa nas últimas temporadas do futebol nacional e internacional.

Obrigados pelos clubes e detentores dos direitos de transmissão dos campeonatos, técnicos se submetem à longas entrevistas coletivas pós-jogos. Momento raro na relação entre mídia e técnicos e jogadores. Na maioria dos dias da semana esse contato não existe. Treinos fechados, entrevistas vetadas, informação zero a respeito do dia-a-dia do time e toda sua órbita criam muitos obstáculos ao trabalho da imprensa.

Por isso que as coletivas, de 40 a 50 minutos de duração, são usadas pela imprensa para explorar dos técnicos toda sorte de assuntos – desde o desempenho do time e jogadores até política financeira do clube, gestão, contratação de reforços, atitudes do presidente e, comum, agrado aos torcedores. Análises e questionamentos do jogo em si, quase nada.

Perguntas nas coletivas, antes privilégio de jornalistas e de veículos de comunicação, hoje em dia contemplam influencers, canais oficiais dos próprios clubes, canais de torcedores nas redes sociais e “comunicadores” que se vestem de imprensa especializada em futebol para aumentar sua audiência na internet.

Nesse ambiente de múltiplos interesses, não raro se pedem a demissão de treinadores, além da cobrança abusiva por melhor desempenho do time.

Daí o stress a que os treinadores são submetidos a cada coletiva.

Um dia depois da ameaça a jornalistas, Renato Gaúcho divulga nota oficial afirmando que não fez ameaças a ninguém. Confira comunicado:

Não sou de fazer ameaças. Sou contra qualquer ato de violência e quem me conhece sabe muito bem disso. Então, vou tentar explicar o que eu quis dizer ontem. O que vemos cada vez mais no futebol é a total falta de respeito por parte, principalmente, de jornalistas identificados. O jogador tal é um lixo, não pode vestir a camisa desse ou daquele time. Esse jogador é uma m… Esse treinador tem de ser demitido. Entre muitas outras ofensas que são feitas todos os dias. Será que é fácil para os filhos dos jogadores, para as familias dos jogadores, ouvir esse tipo de coisa? Como será que é a vida dos filhos dos jogadores, dirigentes, treinadores, quando esse tipo de coisa acontece? Ou será que do lado de cá ninguém tem familia? O que aconteceria se durante uma entrevista um profissional do futebol respondesse assim: “Acho que seu chefe deveria mandar você embora. Sua pergunta é muito ruim”. “Como a sua emissora tem coragem de ter você como profissional?” Como sua familia se sentiria? Como seus filhos ficariam na escola? Foi isso que eu quis dizer. Repito. Nao ameacei minguém. Sou contra qualquer tipo de violência, mas é preciso trabalhar com respeito” –  Renato Gaúcho.

Falastrão ou irresponsável, Renato Gaúcho não está sozinho. Na véspera do jogo Palmeiras x Botafogo, técnico português Artur Jorge, do Bota, convoca coletiva para condenar a imprensa a respeito dos questionamentos quanto a condição mental de seu time.

Abel Ferreira na coletiva pós-jogo Palmeiras 1 x 3 Botafogo, foi questionado a respeito de como o Palmeiras enfrentaria clubes SAF, com enorme poder financeiro, na próxima temporada. Abel se irritou com a pergunta. Cabe ao técnico responder a esse tipo de questão?

Nas coletivas não há a menor regulamentação de atuação da imprensa por parte da CBF e Federações. Basta ser credenciado pelos clubes para ter acesso às entrevistas. O filtro é dos clubes.

COLETIVA BIZARRA NA COPA

Tite convoca Seleção para amistosos contra Gana e Tunísia
Tite – foto: CBF

Não pense leitor desse Prósperi News que o fenômeno “cabe tudo nas coletivas” se restringe ao futebol brasileiro.

Credenciado pela Fifa, jornalista de cobertura de nove Copas do Mundo, eu presenciei na Copa 2022 no Qatar uma coletiva bizarra após a vitória (4 a 0) do Brasil contra Coreia do Sul em Doha.

Logo no início da coletiva do técnico Tite, numa sala de conferências para 500 jornalistas entre brasileiros e de muitos países, um credenciado empunhou o microfone e perguntou assim:

“Tite, o que você acha desse crescente movimento da parceria entre CBF e torcedores da Seleção Brasileira aqui na Copa?”

Detalhe: antes da pergunta, o jornalista credenciado tem de se identificar falando seu nome e o veículo de comunicação que representa. E ele se identificou dando seu nome e estava ali representando o Movimento Verde Amarelo (MVA).

Para quem não sabe, o MVA é “uma organização criada em 2008, com objetivo de revolucionar a forma como o brasileiro torce e apoia as suas seleções e atletas”, diz o site oficial do MVA.

Zelosa no credenciamento de jornalistas, como uma série de exigências a profissionais de mídia, a Fifa concedeu credencial de imprensa ao grupo de torcedores MVA na Copa 2022.

Assim caminha o futebol. Hoje em dia, todo mundo é jornalista. É só criar um canal nas redes sociais e distribuir informações verídicas ou não. O que importa é a audiência no seu canal.

Por tudo isso, o stress de treinadores e a grave ameaça de Renato Gaúcho esgarçam ainda mais a relação tóxica entre profissionais de imprensa sérios e o universo do futebol. E, lamentável, não parece ter fim.


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